terça-feira, 1 de junho de 2010

“O inferno é a terra da luz eternamente tranqüila”

Tradução e transcrição da palestra ministrada por Greg Martin (chefe do departamento de estudos e palestras da SGI EUA) em novembro de 2008
Por Marina Almeida


As pessoas me pedem, além de explicar o material, para que eu diga como me preparo para dar uma palestra.

Tive um encontro interessante outro dia. Estava aqui no jardim e me encontrei com um membro veterano que me disse o quanto gostava das explanações que eu e Phillys estávamos produzindo.
Ele disse que apreciava o jeito que eu apresentava as coisas e como eu fazia o material parecer de fácil acesso! Ele falou que queria ser como eu: apto a fazer tão belas explanações.

Minha resposta foi: “Não, não, não. Você não quer ser como eu. Você não quer o meu carma, acredite! Você tem que ser você mesmo.”

Na verdade, antes eu tentava moldar-me ao jeito dos outros, pensando: “Essa foi uma excelente explanação! Vou fazer assim também!”
Mas não fui bem sucedido e não obtive sucesso. Na verdade, fui um fracasso ao tentar copiar o método e as técnicas de outras pessoas.

Por fim decidi que não podia ser outra pessoa. Simplesmente porque não sou; só posso ser muito bom em ser eu mesmo.
Eu iria digerir o material da melhor forma que conseguisse, entendê-lo do meu jeito, na minha vida, aplicá-lo às minhas experiências, seguir linhas básicas para se fazer uma boa apresentação, mas fazê-la minha.
E a minha alegria e entusiasmo, o que eu aprendi com aquilo, é o que tocaria as pessoas e não técnicas, simplesmente. É ótimo aprender com os outros, adotar boas práticas, mas não podemos perder nossa personalidade, nossa experiência.

Essa pessoa que me abordou é ator e ensina artes cênicas eventualmente. Quando disse isso tudo a ele, ele replicou: “Olha, isso é exatamente o que ensino aos meus alunos!”
Então, eu disse: “Deve-se, portanto, aplicar esse mesmo método às suas explanações.” Seja você; não tente ser outra pessoa.
Aprenda o material, aplique-o na sua vida e o divida com as pessoas do seu jeito.
Assim, você será mais convincente e encorajará um maior número de pessoas.

À medida que continuamos conversando, ficou claro que isso ilustra outro aspecto da prática budista: o da unicidade entre mestre e discípulo.

A tarefa do discípulo é digerir e gravar as palavras, comportamento e espírito de seu mestre. Mas para revisar e ensinar a Lei com exemplos de nossa própria vida não podemos ser outra pessoa.
Não podemos cumprir a missão do outro e o outro não pode cumprir a nossa. Senão, seríamos vítimas do que chamo de “comparação entre discípulos”.
Esse foi um termo que inventei; não procurem no dicionário.

Mas, para mim, é um erro comparar nosso comportamento com o comportamento dos outros como “medida de qualidade de discípulo”.
Em outras palavras, olhar para outro que parece ter um profundo relacionamento com o mestre e pensar que: “Ah, esse é o comportamento que um discípulo deve ter!” ou “se eu falar desse jeito”, ou “se eu me expressar dessa maneira”... Acho que isso é um erro.

O presidente Ikeda sempre diz: “Seja você mesmo; não tente ser outra pessoa.”
A importância da relação entre mestre e discípulo é dividir o mesmo espírito, a mesma intenção, o mesmo objetivo, o mesmo juramento; cada um à sua maneira, no seu lugar, nas suas circunstâncias, sendo verdadeiro a você mesmo.

Um exemplo perfeito concernente à relação entre mestre e discípulo do presidente Toda e do presidente Ikeda: eles são pessoas diferentes, que nasceram em épocas diferentes, tiveram experiências distintas. O presidente Toda foi um homem pé no chão, muito bem humorado, mas também gostava de beber sakê e era um homem de negócios.

O presidente Ikeda é único à sua própria maneira, mas os dois são unos; um só. Ikeda nunca tentou copiar Toda, mas sim digerir, gravar e abraçar os ensinamentos, espírito e coração do seu mentor.
Nós também como discípulos e estudantes dos ensinos de Daisaku Ikeda não devemos copiá-lo em seu comportamento, mas sim digerir seu coração e espírito adequando seus ensinamentos à nossa vida para nos tornarmos um brilhante exemplo para as pessoas à nossa volta; no trabalho, em casa, na nossa família, em nossas comunidades.

Vamos nos ater agora à primeira parte do escrito do presidente Ikeda. Ele diz: “O budismo de Nitiren possibilita àqueles que estão em sofrimento conquistar a maravilhosa felicidade. A Lei Mística tem o poder tornar o inferno na terra da luz eternamente tranqüila.

Tsunessaburo Makiguti e Jossei Toda, respectivamente o primeiro e segundo presidentes da Soka Gakkai, ensinaram um modo de vida no qual devemos lutar continuamente e acender as chamas da coragem e da confiança no coração das pessoas – ora iluminando este amigo, ora o futuro de uma família – para que eles possam ver o carma como missão.

Encorajar cada indivíduo, inspirar a todos que se levantem na busca da mais nobre missão, a paz mundial – este é o espírito fundamental que impregna a relação mestre-discípulo na Soka Gakkai. Enquanto este espírito for passado adiante, a SGI continuará, indubitavelmente, a se desenvolver eternamente.”

Mês passado falei sobre essa ligação eterna entre mestre e discípulo. Também mencionei o porquê de o presidente Ikeda nos ensinar focando sua energia no entendimento correto da unicidade entre mestre e discípulo para a nossa segurança e para a segurança das gerações futuras. E aqui, de novo, me parece que ele quer nosso foco, nossa atenção, num outro aspecto do assunto “mestre-discípulo”. Devemos desmitificar essa relação.

Um ponto extremamente importante do qual ele fala é que mestre e discípulo compartilham uma inabalável crença nas pessoas, no seu potencial em transformar suas vidas, em transformar o inferno na terra da luz eternamente tranqüila ou na terra do Buda.

Em outras palavras, essa promessa compartilhada, na qual temos a relação mestre-discípulo para praticar e propagar a Lei Mística, é vazia de significado a não ser que se tenha uma fé igualmente forte no poder e no potencial das pessoas. Ou seja, o objetivo não pode ser atingido ou posto em desafio se não acreditarmos que as pessoas podem fazê-lo.

Se você não acreditar que as pessoas têm o poder inerente às suas vidas de transformar suas circunstâncias em algo melhor, não há razão para buscar o kossen-rufu.
Então, esse é um ponto importante para nós compreendermos a relação entre mestre e discípulo. As pessoas têm o poder de mudar e de serem felizes. Deve-se dividir o coração e a intenção nessa relação.

A transmissão da crença no potencial das pessoas e o juramento de ensiná-las a Lei para ativar esse potencial de mestre e discípulo podem ser vistos como a transmissão de delegar e passar a esperança.

A base do budismo é “todas as pessoas têm essa potencialidade, todas podem conquistar essa transformação radical das circunstâncias começando com essa dramática mudança do ‘eu”.

Nitiren escreve: “Quando ele estava vivo, ele era um Buda em vida e agora é um Buda na morte. Ele foi um Buda na vida e na morte. Este é o significado da importante doutrina chamada ‘atingir o estado de Buda na presente forma’. O quarto volume do Sutra de Lótus afirma: ‘Se um indivíduo pode suportar Sutra, então também pode suportar o corpo de Buda. Nem a terra pura ou o inferno existem fora da pessoa; ambos repousam dentro do coração.

Desperto para isso, o indivíduo é chamado de ‘Buda’; ignorante a isso é chamado de ‘pessoa comum’. O Sutra de Lótus revela essa verdade e aquele que abraça o Sutra irá perceber que o inferno por si só é a terra da luz eternamente tranqüila.”

Essa passagem lembra uma outra passagem do verdadeiro aspecto de todos os fenômenos. O presidente Ikeda, em referência a este trecho, escreve:
“A implicação aqui é que se Nitiren e Sakyamuni estivessem ambos presentes, o inferno não mais seria o inferno, seria a terra do Buda.
E se fosse assim, então, os guardadores do inferno não atacariam os seguidores do Buda. Nem o Rei Yama, rei do inferno, teria alguma escolha senão proteger o Sutra de Lótus.

O Sutra de Lótus é um ensinamento de mudança do lugar onde se está agora para um lugar chamado ‘a terra do Buda’. A fé no Sutra de Lótus significa encarregar-se do desafio de fazer isso.
Conseqüentemente, os seguidores de Nitiren que perseverarem na prática não sofrerão no mundo do inferno. A eles é garantido aproveitar o estado de vida de completa liberdade.”

Onde quer que o Buda esteja, este lugar se torna a terra do Buda.
É o princípio do Esho Funi ou o ambiente do indivíduo reflete a própria vida do indivíduo. Em outra carta, Nitiren expressa: “Porque a Lei é suprema, a pessoa que a abraça passa a ter o valor do respeito e por causa disso, a terra em que caminha passa a ser sagrada.”

Essa é a maneira inversa do pensamento da maioria das pessoas. A maioria pensa, a maioria das religiões ensina: “Vá para o Céu e você se tornará um anjo.” Em outras palavras, você vai até a terra do Buda para se tornar Buda. É o lugar que faz a pessoa. Mas Nitiren vira esse pensamento de ponta-cabeça.

O entendimento do Sutra de Lótus por Nitiren é que: “Não, é a pessoa que transforma o lugar e aonde quer que você vá, aonde quer que o Buda vá, a terra será a terra do Buda.”

Este é um ensino muito poderoso e é fonte incrível de esperança e otimismo.
Se você pode transformar uma circunstância infernal na terra da luz eternamente tranqüila, você pode mudar tudo.

E se acreditarmos no poder das pessoas de fazê-lo, nós teremos inerentemente a convicção do Buda na maravilha que é a vida de uma pessoa.
Estaremos então, no caminho correto para o entendimento da relação entre mestre e discípulo.

Então, não importa a circunstância; transformando nosso estado de vida em Buda, transformamos qualquer circunstância.

De forma prática, isso quer dizer que quando você se levanta pela manhã, encontra o Gohonzon, recita o Sutra, faz daimoku para alegrar o coração...
Isso deve ser feito com a mesma promessa e intenção do mestre ou do Buda.
Assim, alcançamos o estado de Buda naquele lugar, naquela hora.

E porque alcançamos esse estado de Buda na frente do Gohonzon, podemos encher nossas vidas com as virtudes do Buda: paixão, coragem, confiança, sabedoria, perseverança.

Termina-se a recitação, fechamos o oratório e retornamos aos nove mundos, mas temos ainda as virtudes do Buda e enquanto estamos na sala, esta é a sala do Buda.
Porque? Porque o Buda está na sala.
Se vamos para a cozinha , está a cozinha do Buda.
Porque? Porque o Buda está na cozinha e obviamente a sala retornou aos nove mundos. Claro que o estado de Buda se manifesta muito além de uma sala ou de uma cozinha, mas você entendeu onde quero chegar.

Quando você chega ao seu local de trabalho, aquele local é do Buda. Se o seu colega de trabalho soubesse que você tem o poder de levar consigo o Buda para o trabalho todos os dias, ele exigiria que você o continuasse fazendo.
Ele se voluntariaria para trazer os donuts e tomaria conta do café porque isso transformaria o seu local de trabalho na terra do Buda.

Mas, se o Buda não está no seu local de trabalho todos os dias, quem deve trazê-lo? Somente você, porque você é quem tem o poder de fazê-lo.
Este é um importante ensinamento do budismo.

Até o inferno pode se tornar a terra do Buda se alguém levar o Buda para o trabalho! E essa é a nossa responsabilidade e é nosso poder; nosso potencial. Podemos transformar qualquer circunstância se mudarmos a nós mesmos. Isso é esperançoso!

E nesse material, Nitiren fala dos exemplos contidos no próprio Sutra de Lótus. Não importa a idade, sexo, raça, o quanto de causas ruins uma pessoa tenha feito. Todos podem transformar circunstâncias instantaneamente e imediatamente na terra da luz eternamente tranqüila ou num ambiente feliz.

Acreditar nisso como verdade é entender corretamente o Sutra de Lótus; é gravar verdadeiramente a intenção de Sakyamuni, os ensinos de Nitiren e toda a vida do presidente Ikeda. Essa crença é extraordinária.
No coração do budismo e dos seus discípulos deve haver a fé na luz que brilha na vida de todas as pessoas.

Não sei para você, mas para mim essa organização tem sido extraordinária.
Porque mesmo quando eu não acreditava em mim, havia pessoas, líderes, sêniors e membros que acreditaram que eu superaria aquele momento.
E eles passaram essa fé para mim, mesmo quando eu estava completamente em dúvida.

E é essa a responsabilidade dos líderes: nunca perder de vista a crença no potencial das pessoas em mudar.
 
E mais uma vez, é premente e fundamental que entendamos corretamente a relação entre mestre e discípulo.