01 DE DEZEMBRO DE 2001 — EDIÇÃO Nº 1630
Parece incrível, mas o ano já está se encerrando. Como passou depressa o primeiro ano do Terceiro Milênio! Sobre a relatividade do tempo, o presidente Ikeda faz uma abordagem magistral e esclarecedora em sua obra “Diálogo Sobre a Vida”. Todavia, não é sobre o tempo, mas sim sobre as tradições de final de ano que discorrerei. Muitos companheiros questionam — e alguns até ficam efetivamente preocupados — a existência ou não de incompatibilidade entre nossa prática budista e as tradições natalinas, e algumas outras que trazemos de outras religiões.
O Brasil, por ser um país de maioria católica, acabou incorporando tradições religiosas que passaram a fazer parte da própria cultura do povo. Na escritura “A Recitação dos Capítulos ‘Meios’ e ‘Revelação da Vida Eterna do Buda’”, consta:
“Quando examinamos cuidadosamente os sutras e tratados, constatamos a existência de um princípio conhecido como ‘seguir os costumes da região’ que diz respeito a isso. Esse preceito significa que, enquanto não implicar em nenhum ato ofensivo, então mesmo que se tenha de adaptar um pouco os ensinos budistas, é melhor evitar ir contra os hábitos e costumes do país. Este é um preceito exposto pelo Buda.” (The Writtings of Nichiren Daishonin, pág. 72.)
A árvore de natal e as festas natalinas são preparadas para comemorar o nascimento de Jesus Cristo. Há a tradição do chamado amigo secreto (ou amigo oculto para alguns outros estados do país), que se realiza trocas de presentes. Segundo dizem, isso serve para relembrar os três reis magos.
Enfim, como se relacionar com essas tradições? Podemos ter árvore de natal em casa? Podemos trocar presentes?
Bem, a resposta não é fácil. Mas, recorrerei a algumas comparações e exemplos para, quem sabe, lançar um pequeno facho de luz no intuito de elucidar a questão. O fato de só recitar o Nam-myoho-rengue-kyo (produzir o som com a boca) não quer dizer que realizamos Daimoku corretamente. Todos sabemos que é necessário que façamos uma profunda fusão de nossa vida com a vida do universo, o Nam-myoho-rengue-kyo.
Sendo assim, nossa vida (micro) ganha a dimensão do universo (macro) com todos os seus poderes e sabedoria.
E para que se realize essa fusão temos de, além de recitar, ter uma postura e o desejo de melhorar o mundo estabelecendo a paz (Kossen-rufu).
Isso necessariamente exige que nos libertemos do egoísmo e do egocentrismo, tenhamos desapego às questões meramente materiais e não nos coloquemos perante ao Gohonzon com uma postura de subserviência.
Em outras palavras “saltar-se” dos seis baixos estados de vida para viver nos quatro elevados. Utilizemos os baixos estados inerentes como alavancas para o nosso desenvolvimento (desejos mundanos são iluminação).
Repito que os bens materiais também são importantes e nos proporcionam melhores condições de estabelecermos a paz mundial.
Da mesma forma, o fato de meramente atendermos à tradição de algum parente que mora conosco e que não é praticante do budismo, e permitir a ele que monte uma árvore de natal, não há aí nenhuma causa negativa da nossa parte. Naturalmente que melhor seria se mantivéssemos a prática sem outras influências filosóficas.
Mas o que mais importa é o sentimento. Devemos respeitar as cerimônias e as tradições religiosas de todas as pessoas e, se por tradição da família ou por amizade tivermos de comparecer a alguma cerimônia religiosa, que façamos, mas recitando Daimoku internamente.
Em todas essas questões, o importante é agirmos com bom senso e benevolência, respeitando as tradições dos outros.
Cesar Augusto Garcia, coordenador do Departamento de Juristas da BSGI, advogado, conselheiro seccional da Ordem dos Advogados do Brasil e professor universitário