segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A Mochila

Kathryn Spillane


“O que há no nosso passado e o que há no nosso futuro são pequenas coisas se comparados no que há dentro de nós.”  Ralph Waldo Emerson

Eu me lembro do dia que a minha amiga me trouxe a história sobre o General Tigre de Pedra, Li Kuang, um jovem que viveu na China há muitos séculos – durante a dinastia Han. A história aparece no gosho ( WND).
Li Kuang é um talentoso arqueiro. Um tigre mata a sua mãe e ele jura matar o tigre. Ele caça o dia inteiro e, no início da noite, ele vê o tigre. Ele prepara o arco e a flecha e se concentra com toda a sua energia no alvo. Ele acerta o alvo, mas quando chega perto para checar, ele tinha encravado a flecha numa enorme rocha que pensou ser o tigre.

Eu fiquei muito impressionada com a história mas não consegui fazer nenhuma relação com a vida diária porque ainda não tinha tido tal experiência, do impossível se tornar possível. Meu mundo, entretanto, estava prestes a alcançar uma dimensão além dos meus mais loucos sonhos, e a determinação de Lin Kuang estava prestes a se tornar a minha.

Eu e os meus filhos viajamos para o México, pouco tempo depois de ler esta história, fomos visitar alguns parentes. Durante a nossa estadia, decidimos visitar umas cavernas a aproximadamente 4 horas de viagem de onde estávamos. Era uma rodovia bem tranquila, em uma planície de se perder de vista. No meu retrovisor, eu vi uma ambulância se aproximando com as luzes acessas, então encostei para que ela pudesse passar. Minutos depois, eu já via o acidente, então eu disse para meus filhos ficarem abaixados no carro, com receio do que eles poderiam ver a frente.

Assim que me aproximei do local, eu diminuí a velocidade, e pude ver caminhões tombados e, para o meu horror, corpos que haviam sido jogados para fora deles. Foi uma visão que eu nunca vou esquecer. Era óbvio que aquelas pessoas estavam mortas, tinha um corpo de uma mulher – muito machucado - a apenas metros de onde meu carro passava. Eu tinha treinamento em primeiros socorros e pensei em parar, porém, já havia uma ambulância e 2 carros de polícia no local. Não querendo que os meus filhos vissem aquela cena, eu continuei dirigindo.

Quando já estávamos numa boa distância do acidente, eu disse aos meus filhos que eles poderiam sentar no banco do carro novamente, e eles imediatamente me perguntaram o que tinha acontecido. Eu estava tremendo e dirigindo bem devagar. Eu disse a eles que tinha havido um acidente e que algumas pessoas morreram. Meu filho que tinha 9 anos, na ocasião, disse:

- Nós deveríamos meditar ( entoar o mantra)  para as pessoas que morreram e para o conforto da família delas.

Eu estava tão chocada com o acidente que não tinha pensado nisso, então, numa voz embargada eu concordei. Nós entoamos o mantra, Nam-Myoho-Rengue-Kyo juntos por aproximadamente 5 minutos. Eu nunca incentivei os meus filhos na minha prática budista e aquela compaixão e fé deles realmente me impressionou. Nós continuamos o nosso caminho, visitamos as cavernas, voltamos para Albuquerque e 4 dias depois estávamos prontos para voltarmos para casa.

Foi um dia bastante corrido e o voo estava lotado. Nós só conseguimos chegar no aeroporto internacional de Oakland às 22h, as crianças estavam cansadas, eu estava exausta. Nós tínhamos muita bagagem, e para facilitar, eu pedi para cada um tomar conta da sua própria mochila. Nós estávamos na van indo para casa, na autoestrada, o meu filho me pergunta: “Onde está a minha mochila?” Nós olhamos em todos os lugares e a mochila não estava na van.

Meu filho chorou. A mochila estava com as lembranças dele da viagem e outras especiais que ele sempre carrega consigo. Eu disse a ele, eu vou meditar  e fiz, ali mesmo. Eu fiz daimoku para que a mochila dele já estivesse vindo ao nosso encontro. Eu fui bastante clara na minha determinação.

No outro dia eu meditei novamente, a primeira coisa que fiz pela manhã, determinação clara e muito focada no objetivo. Eu tinha certeza que a mochila já estava a caminho de casa. Eu tinha que acreditar. Meu filho me perguntou sobre ela algumas vezes durante o dia e eu disse a ele que a mochila já estava em casa, mas nós não estávamos vendo ela ainda.

Eu liguei para o aeroporto e para o serviço de transporte, mas ninguém tinha visto a mochila. Mas, eu podia vê-la, no meu coração.
Dois dias se passaram e eu continuei meditando. Os meninos tinham ido para a casa o pai e eu mantive a mesma convicção. No terceiro dia eu desanimei. Toda a esperança que eu tinha estava desaparecendo.

Naquela tarde, uma grande amiga budista veio me visitar para saber como tinha sido a viagem. A primeira coisa que saiu da minha boca foi a história da mochila. Eu disse a ela como a minha fé no retorno dela estava começando a desaparecer. Ela me encorajou a não perder a fé e o meu foco. Eu sabia que ela estava certa. Eu bati a minha mão na mesa e disse:

“É isso, a mochila já está aqui! Mas eu não estou conseguindo vê-la ainda.”

Completei com um pouco menos energia que a mochila tinha que voltar porque meus filhos tinham que ter a prova concreta da força da prática budista. Talvez, fosse eu que precisava desta prova.

Menos de 10 minutos depois o meu telefone tocou. Eu atendi e ouvi a voz de uma mulher bem calma perguntando por mim do outro lado da linha. Ela me contou esta história.

Ela, o marido e o sobrinho de 5 anos tinham viajado, eles chegaram no aeroporto de Oakland aproximadamente meia hora depois que tínhamos partido para casa na van. Eles perguntaram ao sobrinho se ele queria ir ao banheiro e ele disse não, assim eles partiram do aeroporto. Quase pegando a autoestrada, o sobrinho mudou de ideia e pediu para ir ao banheiro, então eles encostaram o carro ali mesmo – quando crianças precisam ir ao banheiro não tem como esperar.

Quando eles desceram do carro, eles encontraram a mochila do meu filho no encostamento. Eles poderiam ter deixado para lá e não se dado ao trabalho. Mas, ao contrário, eles não só pegaram a mochila como cada item dela que estava espalhado no local, usaram até uma lanterna para não deixar nada para trás.

A mulher tinha encontrado o meu nome e telefone num pedaço de papel. Eu estava sem palavras e bastante surpresa. Um sentimento maravilhoso saia de mim enquanto eu escutava eu mesma a agradecer a mulher profundamente pela sua boa ação. Ela anotou o nosso endereço e nos enviou a mochila pelo correio, com tudo que tinham encontrado na beira da estrada – apenas alguns itens estavam faltando.

Eu não contei a história para os meus filhos até receber a mochila pelo correio. Meu filho estava em êxtase por receber os seus tesouros de volta. Eu estava brilhando como ele, não apenas porque ele recebeu as coisas dele de volta, mas porque eu recebi a prova concreta da minha prática budista. Minha meditação tinha funcionado.

Apenas 2 semanas depois que as lições desta história começaram a se revelar para mim. Eu percebi que o meu desejo era tão puro e tão focado que eu também tinha o poder de fincar uma flecha de penas numa rocha enorme. Como aconteceu, eu tive o poder de trazer uma mochila perdia no acostamento de uma autoestrada de volta para a minha casa.

Quando os meus filhos estão desanimados ou se sentindo paralisados, até hoje, eu lembro a eles da história da mochila e que qualquer coisa é possível através da prática do budismo de Nichiren Daishonin e do poder do daimoku. Tudo que eu tenho a dizer é, “mochila”! e eles instantaneamente sabem o que isso significa. Eles ficam até um pouco nervosos quando eu falo que vou meditar com a “determinação da mochila”, especialmente se é algo que eles não querem que aconteça.

Eu gostaria de engarrafar aquele puro e inocente desejo que tive durante aqueles dias e desengarrafar ele quando estivesse passando por outros desafios na vida. Felizmente, os meu amigos budistas estão por perto para me lembrarem que aquele tipo de determinação é um estado de espírito, e quando eu sento em frente ao Gohonzon ( mandala budista) para meditar, tudo o que eu devo fazer é  limpara minha mente e coração e entoar o mantra neste estado calmo e determinado.

A outra grande lição foi que o meu filho teve a experiência, pela primeira vez, da causa e efeito. Ele foi solidário e teve compaixão pelas vítimas do acidente – estranhos que ele não conhecia -, então um estranho também o buscou com os mesmos sentimentos e consideração. Todo este acontecimento fortaleceu a minha fé e me deu coragem.

Eu nunca saberei se foi a minha determinação ou a maravilhosa causa que o meu filho fez que trouxe a mochila de volta para nós. Eu acho que foi um pouco dos dois.

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Tradução não oficial do livro: The Buddha Next Door, ordinary people, extraordinary stories.
Autores: Zan Gaudioso e Greg Martin
ISBN: 978-0-9779245-1-6