sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Talvez, um bebê

por: Anne – Marie Akin

Tudo parece mudar quando nós mudamos – Henri Amiel

Através da minha prática budista eu mudei a minha carreira profissional; eu sou agora uma musicista e professora de arte. Eu encontrei a mais maravilhosa companheira para minha vida, construí uma família forte e feliz e venci inúmeros desafios – internos e externos. Eu sou uma pessoa que vive a vida de uma forma genuína, livre e corajosa. Mas eu me encontrei encarando um aspecto da minha vida profundamente enraizada e dolorosa que não tinha noção que existia até que (felizmente) fui forçada pelas circunstancias a encarar isso.

O problema começou como resultado de uma grande alegria – após anos falando sobre isso, eu e a minha companheira finalmente decidimos ter um bebê através de um banco de sêmen. Minha companheira, Amy,  facilmente engravidou. Nós éramos como quaisquer pais grávidos, ansiosas e cheias de expectativas – a gente mal podia esperar para contar a novidade para os amigos e colegas de trabalho. Eu contei para a todos os meus amigos da The Old Town School of Folk Music, onde eu sou funcionária. Mas a maioria das minhas aulas são no programa residência que fica no lado oeste de Chicago, um centro de assistência para crianças e famílias de baixa renda. Eu me encontrei incapaz de contar para os meus colegas do centro sobre o bebê que esperávamos.

No meu trabalho como professora de arte eu tinha observado homofobia explícita e implícita. Como qualquer pessoa gay que trabalha com crianças falaria para você, escolas infantis –  em qualquer lugar -  não é um ambiente onde as pessoas assumem a sua sexualidade abertamente. Nas outras áreas da minha vida eu vinha caminhando para me tornar cada vez mais livre, e eu de repente descubro que passei os últimos 7 anos da minha vida de professora me encolhendo e escondendo, até eu ter num compartimento uma versão “aceitável” de mim mesma conhecida como Srta. Anne Marie, a moça da música. Esta versão não incluía várias coisas do meu eu, especialmente a parte que eu sou uma mulher casada com outra mulher. Eu me esforcei tanto para “sair do armário”, para  agora me encontrar de volta nele porque eu permiti que as suposições de outras pessoas sobre mim parecessem a verdade. De repente eu estava tendo que encarar  o stress de “sair do armário” novamente.

Eu estava num dilema muito dolorido. Aqui eu estava, semana após semana, com pessoas que amam crianças e bebês, cantando com elas, olhando as fotos dos seus filhos e netos, com o coração cheio de alegria sabendo  que eu em breve eu teria um bebê lindo também; e mesmo assim o meu coração estava cheio de angustia porque eu não conseguia encontrar uma forma de contar a novidade e dividir a minha alegria. Algumas dessas mulheres eram muito amigas minhas – mas elas não sabiam nada sobre a minha vida! Como você se assumi gay para pessoas que você conhece há anos?

A gravidez de Amy estava cada vez mais visível e a minha situação se tornou cada vez mais dolorida. Pessoas totalmente estranhas perguntavam para ela sobre o bebê, enquanto eu me tornava mais invisível como também “mãe grávida”. Toda semana eu falava para mim mesma, “Esta semana eu vou contar para os meus colegas”. Mas outra semana passaria porque eu não consegui encontrar palavras ou coragem para contar para eles. Eu sabia que deveria meditar ( fazer daimoku, entoar o mantra NMRK) sobre isso, mas francamente tudo era tão dolorido para mim que até meditar sobre isso era difícil. Eu estava me sentindo miserável e depressiva num momento que eu deveria estar muito feliz.

Um dia, 2 meses antes de Maya ( minha filha) nascer, Eu estava sentada numa sala infantil cantando com as crianças e pensando, Quando eu vou contar para eles? Quando um dos professores assistentes me perguntou do nada:  Anne-Marie você algum dia pretende ter filhos?
Eu pensei, vou contar para eles agora: Então, na verdade, eu vou me tornar mãe agora em setembro.

Eles levantaram as sobrancelhas e olharam de forma engraçada e surpresa para a minha barriga “chapada”. Então rapidamente eu completei: A minha parceira é uma mulher e ela está grávida, nós vamos criar o bebê juntas.

Então houve um silêncio na sala. Eles não pareciam chocados. Eles não pareciam felizes. Eles apenas ignoraram completamente a minha história e um deles disse: Então, alguém vai fazer churrasco neste final de semana? E assim eles começaram a conversar sobre os planos para o final de semana. Eu fui discretamente para o banheiro onde eu chorei muito.

Semanas se passaram e eu fiquei sabendo que nenhum dos outros professores sabia. Num prédio cheio de mulheres onde todo mundo sabe tudo sobre todo mundo – ninguém queria contar a minha história. Eu me vi forçada a contar para as pessoas eu mesma. É tão engraçado como o UNIVERSO te dá exatamente o que você precisa para crescer, mas naquele momento, não tinha nada engraçado sobre isso.

Aproximadamente 2 semanas antes do nascimento da Maya – quando eu sairia na minha licença maternidade – eu decidi anunciar isso na reunião de professores. Eu estava com frio na barriga, meu coração estava pesado de medo, mas ao mesmo tempo eu estava querendo terminar com este sofrimento logo e contar para todo mundo que eu iria ser mãe. Eu ainda tinha a expectativa que eles ficariam felizes por mim.

Depois que fiz o meu anúncio para todos,  o diretor do centro disse alto: PARABÉNS! Tentando criar o clima para todos os outros. Mas a maioria das caras que eu estava olhando refletia choque, confusão e surpresa. Umas duas pessoas foram legais, mas meu foco estava em uma professora que parecia bem crítica e com cara de julgamento, ela olhava para os outros na sala procurando nos outros colegas apoio sobre o posicionamento dela.

Eu fui para o banheiro e chorei muito. O problema era que eu estava desejando a aceitação e apoio deles – eu queria que eles ouvissem a minha feliz e maravilhosa noticia e entendesse, por tabela, que eu era lésbica. Não foi isso que aconteceu. Eu fiquei amargurada e humilhada.

Nesta noite eu meditei, entoei o mantra, para chegar a RAIZ do meu sofrimento. Enquanto eu meditava, eu percebi que carregava dentro de mim uma profunda e pesada vergonha – uma vergonha que tinha carregado desde a minha própria infância – uma vergonha tão antiga que eu não conseguia nem colocar nome nisso. Dentro de mim eu sentia que eu não era boa o suficiente, suja e totalmente errada. A vergonha que eu sentia da minha vida estava sendo refletida direto para mim pelo ambiente em que eu vivia. Eu sentei e meditei com todo o meu coração para extirpar a vergonha da minha vida pela raiz. A cada mantra que pronunciava eu sentia como se estivesse me resgatando da sujeira. Todos os dias, duas vezes ao dia, eu continuei meditando para arrancar este fardo pesado, que era a vergonha, da minha vida.

Na semana seguinte a diretora do centro me perguntou se os outros funcionários sabiam do meu bebê. Eu disse que não, ninguém tinha contado para eles. Eu não acreditei quando ela me convidou para uma reunião de todos os funcionários, onde eu novamente iria ter que contar a novidade de ser mãe.

Eu determinei que eles ouviriam a minha notícia e reagiriam com a alegria que ela merecia. Após eu contar a história na reunião, houve uma explosão de parabéns cheios de alegria genuína. Eles responderam exatamente como eu sempre desejei – com uma alegria pura e verdadeira. As pessoas começaram a me perguntar: Como a Amy estava e se o bebê já tinha chegado.

A nossa filha, Mary Maya, agora já não é tão bebê, ela vem comigo para o centro onde eu ensino música. Nós podemos pagar para ela frequentar o centro. Na sala o apelido que  eles deram para ela é “Pequena Preciosa”. Ela é amada por todos e muito bem cuidada. A professora que naquele dia mudou de assunto e começou a falar sobre churrasco no final de semana, me deu uma mala enorme de roupas que eram da filha dela. Outra professora comprou um lindo presente para Maya quando ela nasceu. Recentemente outra professora recortou um artigo no jornal sobre casamento gay e guardou para mim.

Eu não consigo descrever para vocês a INCRÍVEL liberdade que agora eu sinto por ser capaz de ser eu mesma. Eu estou tão leve e feliz no meu trabalho. Todos os meus relacionamentos se tornaram mais verdadeiros. Eu agora almoço com as outras professoras ao invés de ficar escondida na sala. Quando as pessoas me perguntam sobre a minha vida, eu agora não mais evito a pergunta ou mudo o assunto da conversa. É difícil de acreditar que eu carreguei aquele peso por tanto tempo sem perceber que ele existia dentro de mim. Eu sou muito grata do stress e dificuldade que eu enfrentei para revelar o meu eu verdadeiro. Através desta jornada eu mudei o meu estado interior de vergonha para CORAGEM, e como resultado, o meu ambiente mudou dramaticamente.

Eu continuo meditando para que a vergonha das decisões que tomei na vida se transforme em orgulho. Eu estou determinada a não passar este tipo de sentimento para a minha filha Maya. Eles falam que as crianças nos ajudam na prática budista. Eu estou impressionada com as mudanças que esta pequena vida desencadeou em mim. Mesmo antes de nascer, ela já me ajudava a cumprir o meu juramento de me tornar absolutamente feliz, agora, eu farei o mesmo por ela.

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Tradução não oficial do livro: The Buddha Next Door, ordinary people, extraordinary stories.
Autores: Zan Gaudioso e Greg Martin

ISBN: 978-0-9779245-1-6